Com o objetivo de evitar que potenciais apagões interfiram em sua produção e operações, as indústrias dos segmentos denominados “eletrointensivos”, como produtores de celulose, fabricantes de equipamentos, siderúrgicas e setor químico, estão definindo estratégias enquanto aguardam as medidas do governo federal relacionadas à crise hídrica.
Por ter a energia como um dos principais componentes de custos, o setor traça estratégias de blindagem que vão de compra de equipamentos que otimizem o consumo de energia à possibilidade de cogeração nas fábricas. No caso de indústrias papeleiras, ainda é necessário considerar o racionamento de água como outro ponto de incerteza.
O mercado livre (ACL) garante 30% do consumo nacional de energia, puxado principalmente por grupos industriais. Cerca de 25% da carga é direcionada ao setor de metalurgia e produtos de metal. Outros representantes deste tipo de consumo são indústrias de metais, química e papeleiras.
O presidente da Termomecânica, Luiz Henrique Caveagna, informou que a estratégia da empresa pode incluir o acionamento de fornos a gás na hipótese de uma elevação de custos ou consumo de energia para além do planejado. A empresa, que fabrica ligas de cobre e alumínio, conta com 20 equipamentos deste tipo e já fez investimento de R$ 100 milhões em eficiência energética nos últimos cinco anos. O presidente da companhia afirmou: “Estamos preparados para algum evento adverso. Podemos garantir 30% do nosso consumo com essas medidas. A nossa operação, caso ocorra algum racionamento, não será afetada”.
Investimentos em energia solar ou geradores a diesel estão entre as opções que podem ser adotadas pelo setor de máquinas e equipamentos. Essas alternativas podem ser acionadas nos horários de pico. O presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), José Velloso, declarou: “Essa é uma medida que terá que acontecer para preservar os negócios do setor”.
Voltada ao setor de siderurgia, a Arcelo Mittal tem apostado há anos na prática de autoprodução para manter suas operações mesmo em caso de apagões ou racionamentos. O processo de geração interna é realizado através de sistemas de recuperação de calor e/ou reprocessamento de gases resultantes das etapas produtivas. A companhia tem em Serra (ES) sua maior usina no País e pratica processos de geração autossuficiente na instalação em questão desde 1999. Na soma total, cerca de 50% do consumo de energia elétrica da empresa (aproximadamente 650 MW médios) é atendido por geração própria.
Ainda em avaliação pelo governo federal, o programa de redução voluntária de energia elétrica nos horários de pico já está no radar de conglomerados como a Arcelor Mittal. A proposta, que tem como objetivo deslocar a demanda e energia e evitar o risco de apagões, está sendo seriamente considerada por associados da Abimaq, de acordo com Velloso.
Vários representantes da indústria se reuniram com o Ministério de Minas e Energia (MME), juntamente a autoridades do setor elétrico, para apresentação de um diagnóstico da situação energética do País ante a crise hídrica.
Um “programa de redução voluntária da demanda” foi apresentado pela Abrace, entidade que reúne grandes consumidores industriais de energia e gás natural.
Na proposta, foi apresentado um programa com extensão de julho de 2021 a abril de 2022. Nele, foram oferecidos dois modelos distintos: um em que o consumidor poderia fazer a opção pela “venda” da redução de consumo e outro, considerado mais sofisticado, com a opção de se colocar à disposição do Operador Nacional do Sistema Elétrico (OPS) na forma de potência. A última alternativa é vista como mais viável e já é praticada por empresas com matriz internacional.
Para participar do modelo de redução de consumo, a industria deverá informar com antecedência à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a quantidade diária de demanda que se compromete a reduzir. Caso a redução de consumo seja superior a 5% em dias úteis, entre 12h e 18h, o consumidor receberá uma remuneração.
Como referência, a Abrace propôs que, no primeiro mês de programa, o valor de referência seja de R$ 1.557 por MWh. Estariam embutidos o prêmio de 30% sobre o spot da energia no mercado de curto prazo e o PLD horário, que tem patamar fixado em R$ 1.197,87 por MWh. A intenção é que esse valor possa ser ajustado.
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, afirma que os custos do programa seriam inferiores ao que poderia ser gasto com o acionamento de térmicas, mais caras, em resposta à elevação de demanda nos horários de pico. Sobre a crítica de que as indústrias poderiam fazer especulação com o preço da energia, Pedrosa declara: “Nenhuma siderúrgica vai deixar de produzir por três meses para ter ganho com energia. Toda indústria vai atrás de eficiência de custos. Isso teria impacto na competitividade dela”.
Em nota, o MME declarou que “assim que a formatação desse programa estiver concluída, será aberta consulta pública para contribuição de toda a sociedade”.
Panorama
Face a uma crise hídrica histórica e à grande pressão sobre o sistema – ainda muito dependente de hidrelétricas, o governo federal mantém diálogo com empresas para viabilizar uma redução voluntária de consumo industrial de energia.
A maior seca dos últimos 91 anos e os baixos níveis de armazenamento nos reservatórios levantaram o sinal de alerta para a possibilidade de obstáculos no fornecimento pleno em 2021 e 2022.
É preciso levar em conta que o cenário atual é diferente daquele vivido há 20 anos. O Brasil, à época, não contava com termelétricas suficientes para lidar com a diminuição sazonal que causou a crise hídrica e também não havia um sistema de transmissão capaz de comportar o intercâmbio de energia entre regiões do País.
A possibilidade de um “apagão” está mais concentrada na demanda de ponta, ou seja, na elevação de consumo que ocorre nos horários de pico. Caso a situação nos reservatórios se agrave, nem mesmo a capacidade instalada do sistema, que atualmente gera energia suficiente, poderá dar conta dos níveis de consumo, o que poderia gerar blecautes repentinos em alguns horários do dia.
Tanto para o governo quanto para os representantes do setor elétrico, a avaliação é de que o deslocamento de parte do consumo industrial de energia poderia aliviar a pressão sobre o sistema em momentos de maior dificuldade, evitando, assim, uma parada no sistema.