A liberdade para escolha do melhor fornecedor foi o elemento central para a redução de cerca de 20% dos gastos com eletricidade em parques industriais brasileiros. Esta possibilidade, no entanto, está restrita aos grandes consumidores nacionais que utilizam mais de 1.500 kW/mês e têm, assim, um gasto superior a R$ 90 mil por mês. No Ambiente de Contratação Livre (ACL), a contratação dos quilowatts é negociada da mesma forma que outras commodities. A ponte entre geradores e consumidores é feita por empresas comercializadoras.
O presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Reginaldo Medeiros, ressaltou: “É um ambiente de competição saudável, em que todos saem ganhando, a começar pelos consumidores, que ganham descontos na tarifa. Daí a nossa luta para a abertura do mercado livre de energia a toda a população, como já acontece em mais de 50 países”.
A adesão bem-sucedida ao ACL pode ser observada em países europeus e na maioria dos estados americanos. Nesses locais, todos os consumidores estão aptos à livre negociação. É importante observar que este modelo de contratação não interfere no papel das distribuidoras, pois estas permanecem sendo remuneradas pela estrutura disponibilizada.
Contratos de energia sem a tutela governamental passaram a acontecer no Brasil a partir de 1998. A adesão expandiu-se a cada ano e, atualmente, dos 30 mil consumidores aptos, 20 mil já escolheram o ACL. De acordo com a estimativa da Abraceel, a adesão de consumidores de médio porte, com necessidades entre 500 kW e 1.500 kW, ampliaria o atendimento para um percentual de quase 50% de toda a rede. “Nossa expectativa é de que isso seja possível de ser alcançado até 2024, para, em seguida, estender o benefício aos consumidores residenciais”, declarou Medeiros.
A projeção da Abraceel tem como base a possível aprovação de um Projeto de Lei criado em 2016 que já foi aprovado pelo Senado e encaminhado para a Câmara em fevereiro de 2021. Há uma sinalização do Governo para que o projeto seja sancionado tão logo as tramitações pelo Legislativo sejam finalizadas. Com isso, o número de empresas interessadas em entrar nesse mercado teve significativa elevação. A consequência direta é o crescimento dos investimentos que, segundo a projeção, podem chegar a R$ 100 bilhões, cifra que representa 70% de tudo que deverá ser aplicado no setor energético até 2025.
A estimativa é de que hoje cerca de 1.500 fornecedores de energia façam parte do mercado livre. Destes, 400 são geradores e os demais, comercializadores. O promissor mercado já conta com instituições robustas como BTG Pactual, Santander e Itaú. Segundo informações, a corretora XP deve aderir a este mercado em breve. Em abril de 2021, a companhia paraense Copel alcançou uma marca inédita de 2.547 MW comercializados. O valor equivale a um terço do que é gerado na média em Itaipu.
A empresa francesa Engie é a maior geradora de energia elétrica privada no País. Em suas 72 usinas, a capacidade instalada soma 10.791 MW. A companhia inaugurou, há pouco tempo, um conjunto eólico na Bahia e um outro está em construção no Rio Grande do Norte. O diretor comercial da Engie, Gabriel Mann, comentou: “Com esses dois projetos, em que estamos investindo R$ 4 bilhões, nossa produção eólica, somada ao conjunto que já temos no Ceará, chegará a 1.000 MW. A maior parte de nossa produção já é dedicada aos consumidores livres e isso tende a crescer nos próximos anos”.
Com foco em simplificar negociações e a gestão de contratos de energia no mercado livre, a Engie também está investindo em digitalização. O canal digital Energy Place, lançado em novembro de 2020, tem como principal motivador a nova leva de consumidores que deve vir após a abertura do mercado.
Este ambiente ampliado também está motivando comercializadoras de menor porte a aumentar sua participação no mercado. Um exemplo é a BID Energy. A empresa foi fundada em 2018 por Leandro Parizotto, já adicionou dois novos sócios e tem projeção de investimentos de cerca de R$ 300 milhões nos próximos cinco anos. Sobre o assunto, Parizotto declara: “Neste momento, estamos procurando reduzir os riscos para garantir um resultado financeiro melhor e poder investir em geradoras. Nossa intenção é adquirir pequenas hidrelétricas em funcionamento e construir duas unidades de produção de energia solar”.
A tendência é de que, com a abertura total do mercado livre, surjam no Brasil os chamados “prosumers”. O termo em inglês designa o grupo de pessoas que, além de produzir a energia que consome, também vende o excedente. O presidente da Abraceel observa: “Na Europa, isso já existe, é uma tendência. O sujeito monta um painel fotovoltaico em casa e vende energia”.